Na mídia

19 de abril de 2020

Sem risco inflacionário e com fiscal “comprometido”, economistas defendem juro baixo prolongado

Economistas reduzem perspectiva para a Selic no próximo ano; mercado ainda oferece oportunidades neste novo cenário.

SÃO PAULO – A perspectiva de manutenção da taxa Selic em patamares baixos por maior período de tempo como estímulo à retomada da atividade vem ganhando cada vez mais adeptos no mercado. Economistas têm defendido que o Banco Central (BC) adote uma postura mais agressiva na condução da política monetária, sem se preocupar no momento com as implicações que a medida poderia ter na inflação, em meio a um novo cenário recessivo por conta da epidemia do coronavírus.

No relatório Focus, divulgado semanalmente pelo BC, a projeção para a taxa básica de juros ao fim de 2021 está em trajetória de queda há três semanas e se situa atualmente no patamar de 4,5% ao ano, ante uma expectativa de 5,25% há um mês.

Para 2020, o Focus aponta a Selic em 3,25% ao fim do ano, com a perspectiva de mais um corte de meio ponto em maio.

Na avaliação de instituições que defendem a Selic mais baixa por um período prolongado, como UBS, Garde e Mauá, o espaço fiscal do governo para combater a crise já está muito próximo do limite, restando o afrouxamento monetário como principal alternativa para suavizar o baque do coronavírus.

Para Rodrigo Azevedo, gestor da Ibiuna Investimentos e ex-diretor de política monetária do BC, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio, a tendência é termos um novo corte dos juros em 0,50 ponto percentual, renovando a mínima histórica para 3,25%.

E não deve parar por ai. “Vejo a Selic entre 2,5% a 3%”, disse Azevedo durante live do InfoMoney e da VRB, acrescentando que o patamar reduzido deve permanecer por muito tempo.

Segundo Azevedo, em um cenário em que o BC está para afrouxar ainda mais a política monetária, existe no momento certa distorção no mercado de juros futuros. “As apostas feitas pelos agentes na curva [de juros futuros] indica que o BC irá aumentar a taxa em cerca de 2,5 ponto percentual a partir de janeiro de 2021”, afirmou o gestor da Ibiuba. “Há um excesso de prêmio com a curva nesses patamares, o que indica uma oportunidade de curto prazo no mercado de juros.”

 

Desarranjo fiscal

Para Tony Volpon, economista-chefe do UBS no Brasil, as incertezas nos planos fiscal e político do Brasil no próximo ano dão respaldo para a expectativa de maior prêmio de risco em 2021.

Uma das dúvidas recai sobre um descontrole do endividamento. “A dívida deve subir em 10% do PIB neste ano, gasto que considero aceitável dado o quadro, mas o que acontece depois disso? Vai adicionar mais 10%, vamos ver uma trajetória de queda ou voltaremos a ter reformas?”, questiona.

A expectativa do UBS é de que a Selic caia para 3% ao ano em 2020 e se mantenha neste patamar ao longo do próximo ano para estimular a atividade, com uma inflação comportada, de 2,5%.

Em linha com Volpon, o economista-chefe da Garde, Daniel Weeks, enxerga na condução da política fiscal do país um dos maiores riscos no mercado no momento.

“Não existe espaço para nenhum tipo de motor fiscal para o ano que vem, uma vez que vamos chegar a uma relação dívida/PIB próxima de 90%”, diz Weeks, que também demonstra preocupação com a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara a partir de 2021. “Por isso, vejo a queda dos juros como a única opção que resta para acelerar a economia”.

 

Autoridade questionada

A Garde prevê dois cortes da Selic em meio ponto percentual nas próximas reuniões do Copom, renovando a mínima para 2,75% ao ano.

“Há, contudo, uma probabilidade razoável de o BC ter de levar a Selic para mais perto de 2%”, diz Weeks, que não vê razões para a autoridade monetária manter o tom de cautela em seus discursos. “A realidade acabará se impondo e o BC certamente irá agir”, diz o economista, que defende a redução da taxa de juros para afrouxar minimamente as condições financeiras das empresas.

Alexandre Ázara, economista-chefe da Mauá, tem um raciocínio parecido. “Há um falso dilema de que os juros não podem cair porque o câmbio vai subir e pressionar a inflação”, afirma.

Os bancos centrais em diversos países estão zerando suas taxas para estimular a atividade, e aqui não teria por que ser muito diferente dado o tamanho do problema, diz Ázara. Ele prevê, entretanto, que a autoridade monetária acabe optando por uma estratégia mais conservadora.

“Acredito que o BC vai cortar mais 0,75 ponto percentual em maio, mas entendo que deveria ser muito mais”, complementa o especialista. “Tem que cair porque nunca vimos uma recessão desse tamanho, não em termos de duração, mas de intensidade.”

Segundo Rodrigo Mello, economista-chefe da Absolute, para que a meta de inflação em 2021 (3,75%) seja atingida após uma contração da ordem de 5% da atividade econômica, o Banco Central deveria levar a taxa básica de juros para um patamar “muito abaixo” de 2,5% ao ano.

Mas por conta de um receio da dinâmica das condições financeiras, Mello diz acreditar que o BC será mais conservador. “Eles vão testar. Achamos que, dada a incerteza, o BC não será tão agressivo e pare em 2,5% [em 2020].”

Falta de visibilidade

Um pouco mais cautelosa, a Claritas prevê, por ora, somente mais um corte de meio ponto percentual da Selic em maio. “Concordamos com o gradualismo que o BC tem adotado na condução da política monetária, já que o instrumento da Selic não pode ser enxergado de maneira isolada diante do grau de incerteza do cenário”, diz Marcela Rocha, economista-chefe da gestora.

Ainda não há como saber com clareza qual será o ritmo do fluxo de saída de capital de emergentes e seu impacto potencial no câmbio, o que impede uma postura mais assertiva neste momento, diz a economista, em defesa do tom moderado do BC em suas comunicações com o mercado. “Essa postura não significa que o BC não reconhece a importância da Selic, mas, sim, que a autoridade monetária busca ganhar algum tempo para entender as consequências da crise.”

 

Fora do consenso

Se toda unanimidade é de fato burra como dizia Nelson Rodrigues, nem todos são a favor da redução dos juros para enfrentar a crise. É o caso da SPX, gestora de Rogério Xavier.

De olho na fuga de capitais das economias emergentes, a asset não considera recomendáveis cortes adicionais da taxa Selic, apesar de reconhecer que o cenário é “claramente desinflacionário”. Baratear ainda mais o custo do dinheiro poderia trazer mais pressão para a moeda americana, gerando turbulências e possível desancoragem das expectativas de inflação, alerta a SPX.

“O choque atinge o país em situação fiscal e política frágeis. O estoque de dívida bruta pode terminar o ano acima de 90% do PIB. O Banco Central tem um cenário complexo à frente. De um lado, além da recessão, o cenário de inflação é benigno. Do outro, a piora fiscal, a fuga de capitais e a deterioração da curva longa imprimem aperto nas condições financeiras que cortes na Selic podem magnificar. O momento é de cautela”, destacou a gestora, em carta aos cotistas do multimercado SPX Nimitz referente a março.

 

De volta aos anos 80

Dado o ineditismo da crise, os economistas reconhecem dificuldades para fazer projeções, o que torna os cenários traçados bastante dissonantes. No UBS, considerando um cenário otimista, que englobaria uma reabertura da economia de maneira organizada, minimizando os danos da pandemia, o PIB teria uma retração de 2% neste ano.

No entanto, se fosse considerada uma contração da atividade na casa dos 8% em 2020, a situação fiscal ficaria insustentável, afirma Volpon. Neste cenário, diz, o Banco Central estaria enfrentando um domínio fiscal dos juros e a taxa Selic teria que pagar um prêmio.

“Se o BC é forçado pelo mercado a adicionar prêmio de risco, vira um estado de dominância fiscal e voltamos para os anos 80. Vai ter impacto na inflação, encurtamento da dívida e perdemos os ganhos do Plano Real”, afirma.

O grande debate que, segundo Volpon, deveria estar sendo feito, é sobre como e quando acontecerá a reabertura da economia, a velocidade e os setores prioritários, como anunciado em países como Alemanha e Dinamarca.

As estimativas do UBS estão alinhadas às do Credit Suisse, que também vê a taxa básica de juros em 3% a partir de junho até meados de 2021.

“Revisamos nossa estimativa para o IPCA de 2,7% para 2,2%, dada a expectativa que a contração da demanda doméstica terá um impacto mais forte do setor de serviços, mais sensível aos ciclos econômicos”, afirmou o banco suíço em relatório, no qual apontou que a inflação benigna abre espaço para corte adicional de juros.