27 de dezembro de 2021
Apesar da volatilidade esperada, gestores apostam em crédito privado e investimentos no exterior para obter melhor retorno no próximo ano.
Por Márcio Anaya
A poucos dias do fim, 2021 não deixará boas lembranças para o setor de previdência privada de maneira geral. Considerando a mediana de rentabilidade até novembro, todas as categorias de produtos – renda fixa, multimercados e ações – ficaram abaixo dos seus principais referenciais de mercado. Para 2022, espera-se ainda muita volatilidade, mas alguns gestores estão otimistas com o crédito privado e oportunidades de investir no exterior.
Em um ano marcado pela alta dos juros, os fundos de renda fixa foram os que apresentaram menor impacto geral, com ganho de 2,8% em 11 meses, levando em conta a mediana de rentabilidade de 250 produtos. Ainda assim, o resultado ficou abaixo do CDI, que avançou 3,6% no intervalo.
Nos multimercados, a mediana de 427 fundos mostrou perda de 1,1%, ao passo que o resultado dos 120 portfólios de ações analisados indicou prejuízo de 16,3%. No mesmo período comparativo, o Ibovespa recuou 14,4%.
Os cálculos foram feitos pela plataforma de informações financeiras Economatica, considerando quase 800 fundos de previdência privada não exclusivos.
A performance refletiu no interesse pelos produtos. O setor continuou atraindo recursos em 2021, porém em ritmo menor do que no ano anterior. Entre janeiro e setembro (último dado disponível), os planos abertos tiveram captação líquida (aplicações menos saques) de aproximadamente R$ 25 bilhões. O volume foi 14% menor que o verificado em 2020. Os dados são da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi).
Os aportes (prêmios e contribuições) totalizaram R$ 101 bilhões em nove meses, ante R$ 76 bilhões de resgates. Durante esse período, abril foi o pior mês, com saída líquida de R$ 100 milhões, e julho contabiliza o maior volume de entrada líquida de recursos, com R$ 4,9 bilhões.
Juro alto e queda da Bolsa favorecem crédito privado
Paulo Bokel, head de distribuição da ARX Investimentos, afirma que a captação de recursos nos produtos de previdência da instituição ficou concentrada nos fundos de renda fixa. “O destaque neste ano foram os fundos de crédito privado atrelados ao CDI”, destaca. “E nosso foco continua sendo esse. Não estamos muito animados com a Bolsa”.
Segundo ele, a preferência dos clientes por produtos indexados ao CDI ganhou força não apenas com a alta da taxa básica de juros (Selic), mas com a piora do mercado acionário no segundo semestre. “O brasileiro é muito conservador, ainda mais com a previdência. A visão é de que não pode perder dinheiro ali de jeito nenhum”, comenta Bokel.
O crédito privado também é uma das apostas da Ibiuna Investimentos. Caio Santos, sócio responsável por relações com investidores, diz que a empresa terá um fundo de previdência que replicará a estratégia da casa nesse segmento. O lançamento está previsto para o início do próximo ano.
Na Brasilprev, o diretor financeiro Jorge Ricca afirma que um dos destaques do ano foi um fundo de crédito privado. Ele acredita que o segmento continuará sendo uma alternativa interessante para alocação de recursos em 2022, mas não na magnitude deste ano.
Ricca pondera ainda que, nos papéis privados, existe uma dinâmica muito própria de precificação pelos agentes de mercado e um risco inerente, de capacidade de pagamento. Tal fator, diz ele, muitas vezes não é perceptível pela variação diária da cota do fundo – o que requer cautela.
Investimento no exterior está no radar
Com uma mudança regulatória ocorrida no fim de 2019, os fundos de previdência destinados ao varejo podem investir até 20% do patrimônio em ativos no exterior. No caso dos produtos voltados a investidores qualificados – que possuem aplicações financeiras a partir de R$ 1 milhão – esse limite sobe para 40%.
É uma liberdade que, na opinião de especialistas, deve começar a render frutos mais consistentes daqui para frente.
“Com a mudança na regulamentação, nós conseguimos nos últimos dois anos replicar em previdência as estratégias de posições no exterior de outros fundos da Ibiuna, o que foi um diferencial”, afirma Santos.
Segundo ele, o portfólio multimercado macro da gestora realizou poucas operações com ativos brasileiros nos últimos anos, tendo lucrado com posições em taxas de juros de países desenvolvidos.
Para os próximos meses, os especialistas da ARX e da Ibiuna ressaltam o horizonte de aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e em grandes economias da Europa, o que deve atrair capital para papéis desses mercados.
“Investir no exterior é um importante componente de diversificação da carteira e pode ser uma boa estratégia em 2022, quando não se sabe exatamente o que vai acontecer no Brasil”, diz Bokel, da ARX.
Ricca, da Brasilprev, também destaca a importância da alocação em ativos internacionais como uma estratégia de redução do risco total do portfólio. “Trata-se de algo fundamental, não apenas sob a ótica do retorno, mas também como proteção”, afirma. “Além da diversificação regional, de poder apostar em diferentes economias, existe a questão cambial, que pode amortecer as volatilidades de curto prazo”.
Ele conta que, entre 2020 e 2021, a Brasilprev aumentou em três vezes as aplicações no exterior, que hoje ultrapassam R$ 6 bilhões. “Todos os produtos que temos lançado desde 2020 já vêm com seu mandato permitindo a alocação máxima [em ativos estrangeiros]”.
Cenário para ações depende de juros e corrida eleitoral
De todos os segmentos de mercado, a renda variável é a que apresenta menos visibilidade para 2022. De maneira geral, o mercado aguarda novos aumentos da Selic no início do ano e uma possível reversão do ciclo de alta dos juros, a depender do comportamento da economia e, sobretudo, da inflação.
Outras variáveis importantes são a corrida eleitoral – que pode mexer com o humor dos investidores e acentuar a volatilidade da Bolsa – e o cenário internacional.
Diante disso, os especialistas reforçam importância de ter uma carteira diversificada. “Existem tantas variáveis soltas no cenário que a convicção fica baixa. Dessa maneira, é preciso tomar cuidado na composição do portfólio”, diz Bokel, a ARX.
Na Trígono Capital, a expectativa é de que a Selic comece a cair daqui uns quatro meses, diz Werner Roger, gestor e sócio cofundador da empresa. Com isso, ele acredita que o mercado de maneira geral, que hoje está direcionando mais recursos para a renda fixa, vai virar a mão para a renda variável e tende a se posicionar nos setores que hoje estão sendo penalizadas pelos juros altos, como consumo e varejo.
Para o dia a dia da gestora, no entanto, ele vê poucas mudanças no horizonte. “Nós não fazemos apostas de mercado. Vamos continuar com as empresas que temos hoje”, diz Roger. De acordo com ele, a Trígono pretende manter o foco em ações de empresas conhecidas como small e micro caps (com menor valor de mercado), como Randon, Mahle Metal Leve, Tupy e Schulz, por exemplo.
O executivo afirma que a tática de defesa da gestora é mesma desde 2015. “Nos ancoramos com uma estratégia de hedge [proteção] em empresas que têm receitas em dólar”, explica Roger. Segundo ele, o filtro abrange três possíveis características: as companhias que exportam, as que têm preços dolarizados (commodities) e as que possuem unidades industriais no exterior.
Outro critério, afirma, é selecionar companhias com forte geração de caixa e sem dívidas em moeda estrangeira. “Tais grupos acabam ficando blindados contra oscilações do câmbio que possam afetar o lucro”.
Ricca, da Brasilprev, comenta que a Bolsa brasileira já traz nos preços das ações, atualmente, a expectativa de novos aumentos de juros no início de 2022. O que pode surpreender, afirma, é a produtividade das empresas, que apresentaram resultados em linha ou acima das expectativas no terceiro trimestre, em grande maioria.
Ele espera ainda um cenário global bastante favorável em 2022, com grandes economias reagindo bem. “Claro que haverá alguns desafios, como o movimento de elevação dos juros no exterior, que pode diminuir o ímpeto de retorno do investidor para os ativos de maior risco”.
Segundo o diretor, a Brasilprev tem incentivado seus clientes a diversificarem as aplicações por meio dos fundos multimercado, com o lançamento de mais de 20 produtos do tipo entre 2020 e 2021. Com essa iniciativa, tais portfólios representam hoje mais de 30% do volume total administrado pela instituição, ante 14% no fim do ano passado.
De olho no prazo e na tributação
Os especialistas ressaltam que o investidor de previdência privada precisa ter claro um objetivo de longo prazo, e conduzir sua estratégia de alocação de recursos considerando essa característica – que orienta, inclusive, as tabelas de tributação do setor. “Independentemente do produto, essa é a essência da previdência”, diz Ricca.
Nesses produtos, é possível optar por alíquotas progressivas de Imposto de Renda (IR), que vão aumentando de acordo com a valor do benefício ou do valor que vier a ser resgatado (máximo de 27,5%); ou regressivas, que partem de 35% (acumulação ou resgate em até 2 anos) e podem cair para o mínimo de 10% (acima de 10 anos).
No PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), indicado para quem faz a declaração do IR no modelo completo, existe a possibilidade de deduzir até 12% da renda bruta tributável, dependendo das contribuições feitas ao longo do ano.
Outro aspecto importante dos produtos de previdência é ausência do chamado come-cotas, cobrança semestral de IR sobre os rendimentos de determinados fundos de investimento. “No longo prazo, essas características acabam fazendo uma grande diferença”, afirma Bokel, da ARX.
Fonte: https://www.infomoney.com.br/onde-investir/depois-de-ano-dificil-onde-estarao-as-melhores-oportunidades-da-previdencia-privada-em-2022/